Brasília, cidade de caminhantes.

08 de julho de 2015 - Matéria do Correio Braziliense relata as experiência de quem anda a pé na capital federal. Confira:

"Ao ver as amplas avenidas projetadas por Lucio Costa e os monumentos ilhados no mar de concreto e verde, muitos pensam que é possível admirar Brasília, apenas, da estreita janela de um carro. As calçadas pouco movimentadas e o trânsito nas comerciais reforçam a ideia: na capital, poucos se atrevem a andar a pé. Porém, enquanto uns enxergam as longas distâncias entre os blocos como empecilho, há quem veja, na verdade, um convite para o passeio. Para os corajosos pedestres das escalas brasilienses, a cidade revela uma face diferente — feita de praças, árvores carregadas de frutas, cobogós e, principalmente, muita vida. Alguns moradores fazem da caminhada o único meio de transporte. Com o simples requisito de usar sapatos confortáveis, desbravar Brasília, com um passo de cada vez, pode ser uma experiência surpreendente.

Buscando levar uma vida simples, a psicóloga e guia de turismo Madalena Brandão de Almeida, 65 anos, abriu mão do carro há quase uma década. Ela mora na 410 Sul e, a não ser que precise ir a outra região administrativa, locomove-se apenas a pé. “Ando, em média, de 8km a 10km por dia. Já fui até a Asa Norte, ao Conjunto Nacional e ao Parque da Cidade, por exemplo. Tenho conhecidos que me acham doida, mas eu adoro. Faz bem para a saúde”, relata.

Madalena morou 13 anos na França, onde ficou exilada durante o regime militar. Lá, tomou gosto pelo costume europeu de caminhar. “Porém, não é só por isso. Sou apaixonada por Brasília e acredito em manter uma rotina mais sustentável. O conceito de que a capital só pode ser percorrida de carro é desatualizado. Com o trânsito e a questão do petróleo, é preciso repensar”, diz.

O encanto de andar a pé por debaixo dos pilotis e à sombra dos ipês é capaz de arrebatar gente de todas as idades. O servidor público Alexandre Rodrigues, 29, não costumava caminhar quando residia em Goiânia, mas mudou de postura ao se mudar para a Asa Norte. Primeiro, abandonou o carro — por uma questão econômica —, mas acabou gostando e adotou o hábito de andar. “Para quem dirige, tudo é uma fonte de estresse, seja por causa do trânsito, seja pela preocupação de onde estacionar. Caminhar torna o trajeto um passeio”, conta.

Com sol ou chuva, Alexandre não desanima e, se precisar, usa botas e capa. “Percorro até 10km por dia. Não dá para dizer que é pouca coisa. A opção de caminhar é ótima, mas é importante que o governo continue investindo em soluções de transporte viáveis”, pontua.

Olhar diferente

A experiência ímpar de andar a pé na capital federal tornou-se tema de estudo e obra de arte. De acordo com a pesquisadora e professora de turismo da Universidade de Brasília (UnB) Tatiana Vieira, autora de um trabalho acadêmico sobre o assunto, caminhar permite ao pedestre observar a cidade de outra perspectiva e, assim, construir uma forma de se relacionar com o espaço. Para ela, a concepção de que o espaço urbano idealizado por Lucio Costa não foi feito para andar está errada. “Ele desenhou Brasília como um centro administrativo, pensando em atender aos cidadãos. As escalas residencial e bucólica existem para mostrar o Plano Piloto de uma maneira diferente, além dos cartões-postais”, defende.

Também artista plástica, Tatiana montou uma intervenção artística no Parque da Cidade que trata sobre andar em Brasília. Foi instalada, então, uma pista de caminhada estendida sobre o lago do Estacionamento 11. A obra faz parte da exposição Coordenadas vagabundas (leia Programe-se).

Relatos de caminhantes comprovam a afirmativa: para quem anda, a capital se transforma sob o olhar. O clima íntimo das residenciais, em contraposição ao branco geométrico das construções de Oscar Niemeyer, é uma das características de Brasília preferidas de Madalena. “As quadras parecem outras dimensões, quando comparadas à Esplanada. É tudo tão bonito. A sensação é de andar num parque. De carro, não dá para perceber.” Para Alexandre, caminhar faz com que a cidade ganhe outros significados. “Quando você está a pé, percebe que a ideia de que Brasília é uma cidade vazia é um mito. Em todos os cantos, há famílias, crianças brincando nas quadras, carros de fruta, barraquinhas de churrasco e mais”, conta.

Walking tours

O charme de caminhar na capital virou, também, passeio para visitantes. A empresa de turismo Experimente Brasília oferece três roteiros que podem ser feitos a pé: a Superquadra Experience; a Rota dos Azulejos; e a Rota do Modernismo e Street Art. “Andar na cidade é como estar num grande parque, com árvores incríveis e espécies floridas quase o ano inteiro. É uma experiência única. A pé, é possível sentir o ritmo daqui, ver as pessoas e se relacionar com o ambiente urbano de outra forma”, explica a diretora criativa do empreendimento, Patrícia Herzog.

O Governo do Distrito Federal também planeja investir no setor. Até o próximo ano, a Secretaria de Turismo disponibilizará três roteiros a pé nos Centros de Atendimento ao Turista. Um seria na Esplanada, outro na área central de Brasília — incluindo o Parque da Cidade e o Centro de Convenções — e um terceiro que compreenderia o trecho entre a Torre de TV e o Memorial JK. “A capital recebe um grande número de turistas em trânsito, que fazem conexões aqui e só têm algumas horas para passear. Os chamados walking tours são tendência mundial e atendem a esse tipo de visitante”, diz.

Escalas brasilienses

Lucio Costa planejou quatro escalas para Brasília. A monumental, desde a Praça dos Três Poderes até o Eixo Monumental; a gregária, em torno do cruzamento dos eixos Monumental e Rodoviário; a residencial é representada pelas superquadras e entrequadras; e a bucólica, destinada a lazer e recreação".

 

Área de Gestão da Comunicação com informações do Correio Braziliense de 8 de julho de 2015.