Esclarecimentos éticos sobre o caso do estudante de Medicina Veterinária picado pela naja

13 de julho de 2020

Na semana passada, um estudante de Medicina Veterinária de Brasília (DF) foi picado por uma cobra exótica à fauna brasileira (originária de outro país), da espécie Naja kaouthia, típica da Ásia. Considerada uma das serpentes mais venenosas do mundo, o animal seria supostamente criado pelo universitário, mas sem ter registro, nem entrada autorizada no Brasil, segundo o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). A Polícia Civil de Brasília apura se outros estudantes de Medicina Veterinária estariam envolvidos e investiga os supostos crimes de posse ilegal e tráfico de animais silvestres. Diante dos fatos até o momento divulgados, o Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) esclarece que:

1. O CFMV é o órgão que fiscaliza e normatiza as profissões de médico-veterinário e zootecnista, ou seja, para quem já tem diploma e registro profissional. Dessa forma, não cabe instauração de processo ético para estudantes de Medicina Veterinária ou de Zootecnia.

2. Não compete ao CFMV determinar se os estudantes podem concluir o curso de Medicina Veterinária, uma vez que essa questão extrapola a competência legal da autarquia de fiscalizar o exercício profissional. Ademais, não há impedimento no ordenamento jurídico brasileiro que proíba a formação superior dos suspeitos, mesmo que venham a ser julgados, condenados e cumpram alguma pena.

3. Se for comprovado o envolvimento dos alunos, não cabe processo ético referente a este caso quando vierem a se formar, uma vez que não eram médicos-veterinários na ocasião da ocorrência.

4. O caso está sob investigação policial e, até o momento, não há informação sobre envolvimento de algum médico-veterinário formado. Caso isso venha a ser apurado, há duas hipóteses:

a. A polícia pode enviar a denúncia ética ao Conselho Regional de Medicina Veterinária do Distrito Federal (CRMV-DF) para apuração; ou

b. Caso a polícia não formalize a denúncia, ao final do inquérito, o CRMV-DF pode solicitar os autos de investigação para apurar os aspectos éticos do caso.

5. Em qualquer uma das hipóteses citadas no item 4, o CFMV só receberia o processo para se pronunciar em segunda e última instância, caso o investigado recorresse da decisão do regional.

6. Além da ameaça de ataque, ter serpentes exóticas em casa é um risco à saúde pública. Espécies exóticas, principalmente, podem transmitir doenças e trazer para o país enfermidades desconhecidas. Animais silvestres oriundos de tráfico normalmente foram expostos a condições insalubres e manejo incorreto, predispondo-os à manifestação de doenças diversas, zoonóticas ou não. Por esses motivos e por espécies exóticas serem estranhas ao nosso ambiente, esses animais não devem ser soltos inadvertidamente na natureza. Eles podem causar desequilíbrios à fauna brasileira e também são ameaças aos seres humanos, visto que não se produz, para distribuição aos serviços de saúde, soro antiofídico para espécies não brasileiras.

7. No Brasil, a criação legalizada de animais silvestres é prevista em lei. Ter a posse de um animal com origem conhecida desde o nascimento garante a sanidade dele e de seus cuidadores. Recomenda-se que os proprietários de animais silvestres comercializados legalmente procurem um médico-veterinário para receber as orientações adequadas de manejo e também o acompanhamento clínico periódico do animal durante todo o seu tempo de vida.

Ibama alerta

Conforme regramento do Ibama, para manter cobras (de espécies não venenosas) em residência, o interessado deve solicitar autorização ao órgão ambiental do estado. Já as cobras peçonhentas só podem ser criadas, com fins comerciais, por instituições farmacêuticas ou com o intuito de conservação, quando o animal não pode voltar à natureza por diversos motivos, como ter sido vítima de maus-tratos.

O órgão ambiental alerta que é um perigo ter animais, domésticos e silvestres, como serpentes, em ambientes inapropriados, tanto para eles quanto para as pessoas. Como já mencionado, quem mantém animais silvestres ou exóticos de forma irregular não deve soltá-los na natureza, pois são uma ameaça sanitária aos outros animais e ao próprio homem. Basta entregar o animal de forma voluntária, em qualquer uma das unidades do Ibama disponíveis no país. Com a entrega espontânea, o responsável não será penalizado e ficará isento de multas, o que é amparado pela legislação.

artigo 25, do Decreto nº 6.514 prevê pagamento de multa de R$ 2 mil por introduzir espécie animal silvestre, nativo ou exótico, no país ou fora de sua área de distribuição natural, sem parecer técnico oficial favorável e licença expedida pela autoridade ambiental competente.

A população também pode denunciar suspeitas de criação pela "Linha Verde", no telefone 0800-618080.

Legislação

A posse ilegal e o tráfico de animais silvestres são crimes previstos na legislação brasileira, sendo o tráfico um delito inafiançável. Além disso, a Lei nº 5.517/1968 determina em seu artigo 5º as competências privativas do médico-veterinário. Qualquer pessoa não habilitada que comprovadamente exerça essas atividades e funções sem diplomação em Medicina Veterinária e sem registro no CRMV estaria exercendo ilegalmente a profissão. Pelo artigo 47 do Decreto-Lei nº 3.688, essa prática é contravenção penal, com previsão de prisão ou multa.

Para todas essas infrações, cabe investigação policial, denúncia oferecida pelo Ministério Público e responsabilização administrativa, civil e penal, com direito ao devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa.

Reitera-se que, ao Sistema CFMV/CRMVs, cabe tão somente a apuração de conduta ética quando envolver profissional, isto é, médico-veterinário ou zootecnista formado.

Entenda o caso

Um dia após o estudante ser picado, a naja foi abandonada dentro de uma caixa, perto um shopping de Brasília, onde foi resgatada pelo Batalhão de Polícia Militar Ambiental do Distrito Federal (BPMA).

Após uma denúncia anônima, dois dias depois, o BPMA apreendeu outras 16 cobras em uma fazenda no entorno da cidade: dez de espécies exóticas e seis nativas do Brasil. Os répteis estão sob os cuidados do Zoológico de Brasília, inclusive a naja, aguardando decisão do Ibama sobre a destinação adequada.

Assessoria de Comunicação do CFMV, com informações do Ibama e do Zoológico de Brasília